Hoje vi uma pessoa falando sobre sua participação na #ExpoCompliance2024, onde falaria sobre “Ética Comportamental”. Já tinha visto alguns textos abordando esse assunto que sempre me preocupou. Procurei rever os textos, principalmente dos autores que escrevem sobre isso e conclui que não passa de um equívoco conceitual importante. Como estudioso dos temas ética e moral, trago aqui algumas reflexões.
➡ Ética Comportamental, um equívoco
A ética comportamental, termo que tem ganhado destaque nas últimas décadas, reflete uma fusão entre os estudos empíricos do comportamento humano e as tradições filosóficas que historicamente diferenciam ética e moral. No entanto, ao aprofundar-se na análise desse campo, surge uma questão pertinente: até que ponto o uso do termo "ética comportamental" é conceitualmente correto? Esta reflexão crítica visa esclarecer essa questão, discutindo como a terminologia pode, por vezes, confundir a ética, no sentido tradicional, com a moral, especialmente ao considerar as contribuições de autores contemporâneos como Daniel Kahneman, Jonathan Haidt e Cass Sunstein.
➡ A Ética e a Moral: Distinções Fundamentais
Tradicionalmente, a ética é entendida como uma reflexão filosófica sobre princípios universais que guiam o comportamento humano em direção ao bem comum. Trata-se de uma investigação sobre o que constitui uma vida justa e virtuosa, preocupando-se com o bem em si e com a justiça. A moral, por outro lado, refere-se ao conjunto de normas, regras e costumes que orientam o comportamento dentro de contextos específicos e culturais. A moralidade, portanto, lida com o "certo" e o "errado", enquanto a ética se volta para o "bem" e o "mal".
➡ A Suposta "Ética Comportamental" e os Autores Contemporâneos
Autores como Daniel Kahneman, Jonathan Haidt e Cass Sunstein têm contribuído significativamente para o entendimento de como as pessoas tomam decisões em contextos morais.
▬ Kahneman, em sua obra "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", explora como os vieses cognitivos afetam a tomada de decisões, incluindo aquelas de caráter moral. Sua abordagem, embora valiosa para entender os mecanismos da mente humana, está mais centrada na moral – na prática de decidir entre o certo e o errado – do que numa reflexão ética profunda sobre o bem comum.
▬ Jonathan Haidt, em "A Mente Moralista", investiga os fundamentos psicológicos que guiam as diferentes sociedades na formação de seus códigos morais. Seu trabalho revela como a moralidade é construída a partir de intuições e emoções, mais uma vez, focando-se na moralidade prática em vez de princípios éticos universais.
▬ Cass Sunstein, conhecido por seu trabalho com Richard Thaler em "Nudge: Como Tomar Melhores Decisões Sobre Saúde, Dinheiro e Felicidade", também se alinha a essa tendência. A teoria do nudge se propõe a influenciar o comportamento humano para que as pessoas tomem decisões mais acertadas dentro dos parâmetros de certo e errado estabelecidos socialmente, sem, no entanto, refletir explicitamente sobre o bem comum.
➡ A Questão Terminológica: Moral Comportamental, Não Ética Comportamental
Dado que esses autores focam primariamente em como as pessoas decidem o que é certo ou errado em contextos específicos, seria mais apropriado referir-se ao campo de estudo deles como "moral comportamental" e não "ética comportamental". A terminologia "ética comportamental" sugere uma reflexão sobre princípios universais e o bem comum, o que não é o foco desses estudos. O que observamos, na verdade, é uma análise empírica do comportamento moral, ou seja, do cumprimento de normas e valores particulares.
➡ A Necessidade de Claridade Conceitual
A distinção entre ética e moral não é apenas acadêmica; ela é crucial para uma compreensão precisa das discussões em torno do comportamento humano. Ao falar de "ética comportamental", corre-se o risco de obscurecer o campo da ética, que é fundamentalmente normativo e filosófico, focado na busca do bem comum e na justiça. A moral, por outro lado, é contextual, regulando o comportamento com base no certo e errado, conforme normas culturais e sociais.
Portanto, ao avaliar o trabalho desses autores sob uma lente crítica, é essencial reconhecer que eles estão, de fato, contribuindo para o estudo da moralidade prática, e não para uma reflexão ética no sentido clássico. Reconhecer essa diferença nos permite manter a clareza conceitual e evitar a confusão que pode surgir ao adotar uma terminologia imprecisa.
➡ Concluindo por enquanto
O campo da "ética comportamental", como popularmente compreendido, parece ser uma designação equivocada para o que é, na verdade, um estudo da moral comportamental. Ao confundir ética e moral, arriscamos diluir a profundidade filosófica que distingue a ética como uma busca pelo bem comum. Assim, é imperativo que a terminologia seja precisa, para que possamos abordar com clareza tanto a prática moral quanto a reflexão ética, preservando a integridade de ambas as disciplinas.
Essa reflexão não apenas esclarece a distinção conceitual entre ética e moral, mas também propõe um olhar crítico sobre como usamos essas categorias no discurso contemporâneo. Para aqueles que se interessam por uma análise mais precisa e fundamentada do comportamento humano, é vital reconhecer e respeitar as nuances entre esses termos, para que as discussões sobre a conduta humana possam ser tão rigorosas quanto necessárias.
Definitivamente, o "modismo" não pode substituir a "tradição".
Xiko Acis | Provocador xk@xikocis.com.br +55 11 96466-0184 Newsletter #100
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